Afinal foi ao contrário
Aquele era o tempo da ampulheta, em que a areia corria veloz de um compartimento para o outro, como se os minúsculos grãos se empurrassem violentamente para passar primeiro pelo estreito, e quanto menos grãos, mais depressa corriam, como se o tempo fosse um elástico, e de repente estamos em cima e depois a passar o estreito sem tempo de dizer um ui e logo estamos no de baixo. E nesse tempo dizia que esperava um bloqueio total. Que a partir dali, quando toda a areia estivesse no lado de baixo, esperava as trevas, o desaparecimento, a transformação da chama ténue numa qualquer banalidade. Esperava isso do outro lado, estava a preparar-se para isso. E afinal, quando a areia correu toda e do tempo se fez o vazio do que fôra e o imenso do que poderia vir, instalou-se o vazio, sim. Instalou-se tudo aquilo, as trevas, o desaparecimento, mas do lado contrário. E a chama ténue não passou a iluminar banalidades. Manteve-se igual. Da vida dir-se-á que é uma ironia. Outros dirão que é um lamento.
E não vale deitar a ampulheta para o tempo não correr… ele corre na mesma. É uma treta!
Sofia, de facto corre. Corre sempre. Mas cometemos bastante o erro de achar que as coisas se acabam antes de acabarem, como se existisse um prazo rígido para tudo. E, no entanto, vamos vendo gente que se reinventa a qualquer momento da vida. O tempo existe, vivamos com ele.